A Velocidade da Luz — Javier Cercas

Marcelo Scrideli
3 min readNov 8, 2020

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A Velocidade da Luz. O peso da verdade. A impossibilidade do esquecimento. A potência da literatura. A radiografia da história. O absurdo da guerra. O valor da amizade. A urgência da juventude. A canção de Bob Dylan.

O início é idílico, memórias de uma temporada de um jovem espanhol nos Estados Unidos da América, uma bolsa de uma universidade para auxiliar no departamento de língua espanhola, a possibilidade de ter tempo para escrever seu primeiro livro, circunstâncias e ambiente propícios para tanto.

O destino lhe reserva uma sala conjunta justamente com aquele que é considerado o “weird” da universidade, Rodney Falk: calado, excêntrico, sem amigos, cercado apenas de seus livros e da vontade de aprender catalão para ler a autora espanhola Mercè Rodoreda.

Esse encontro vai marcar o narrador de maneira indelével, na sua vida e na sua literatura.

Cercas é um excelente contador de histórias, e suas narrativas se confundem com sua própria história de vida, com seu processo de construção textual, portanto estamos falando de camadas, de livros dentro de livros, o leitor fica sempre imerso nesse limbo entre verdade e ficção, ele é um mestre da auto ficção.

O livro é dividido em 4 partes, sendo que há um salto cronológico e temporal entre elas, aquele ambiente de descobertas da juventude, de imersão de uma nova cultura, fica para trás e, a partir da segunda parte, vai ganhando peso, fatos começam a serem revelados, e, até as últimas partes é surpresa atrás de outra, o passado de Falk, como ex-combatente da famigerada guerra do Vietnã, é esmiuçado aos poucos, enquanto a vida do narrador (Cercas!?) passa por encontros e desencontros, e altos e baixos.

Soldados de Salamina, o livro de Cercas editado anteriormente a esse, e que lhe trouxe fama e prestígio, já tinha me impressionado, A Velocidade da Luz confirma toda a habilidade de Javier Cercas na construções de narrativas intrincadas, literatura de alto nível, um dos melhores livros que li nos últimos tempos.

“Quanto à sua antiga militância antimilitarista, é inegável que Rodney tinha agora mais argumentos do que no tempo de estudante para considerar aquela guerra uma farsa orquestrada pelo fanatismo e pela irresponsabilidade da classe política, alimentada pelo uso fraudulento que esta fizera da retórica dos velhos valores americanos, mas também é inegável — ou pelo menos para o pai de Rodney — que o fato de ser contra ou a favor da guerra agora se reduzira a seus olhos a uma questão quase banal, deslocada a um segundo plano pela lancinante ignomínia de os Estados Unidos terem enviado milhares e milhares de jovens para o matadouro e depois abandoná-los à própria sorte num lugar perdido no mapa, doentes, exaustos e enlouquecidos, ébrios de desejo e de impotência, numa luta mortal contra a própria sombra nos pântanos de um país calcinado.”

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