O Iluminado: texto e imagem

Marcelo Scrideli
3 min readOct 26, 2020

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Sempre quando surgia alguma conversa sobre terror/horror nos grupos literários inevitavelmente Stephen King entrava em pauta, eu logo mandava minha clássica resposta: nunca li um King!

Eu confesso que não tinha muita vontade de ler, já tinha aceitado o fato que nunca iria ler, mas o tempo passou e eis que, por uma série de circunstâncias, agora eu posso dizer que li um King: O Iluminado, o livro que foi adaptado para o cinema por um dos diretores que mais admiro, Stanley Kubrick.

Portanto, as breves palavras que vou tecer abaixo são exclusivamente baseadas na experiência de leitura de um único King, sua terceira obra, lançada originalmente em 1977.

Podemos dividir o livro em duas partes, a parte inicial, onde ele está construindo os pressupostos dos três personagens principais, o casal Jack e Wendy e o garotinho Danny, filho deles, para, de certa forma, linkar com os ocorridos posteriormente na segunda parte, que se passa no Overlook, um famoso hotel encravado nas montanhas onde Jack, escritor iniciante, aceita o trabalho de zelador da temporada de inverno do local, quando o hotel entra em recesso e fica isolado no meio de uma muralha de neve.

Essa primeira parte parece um novelão, se estende mais que deveria e muitas vezes descamba para detalhes absolutamente desnecessários, alguns me pareceram, inclusive, até constrangedores.

Na segunda parte aparece, creio eu, o King que o tornou, talvez, o mais renomado autor do gênero, estou falando do desenvolvimento psicológico dos personagens e da ambientação que tornam a narrativa aterrorizante para o leitor, durante essa parte ele desenvolve cenas que tornam o ambiente cada vez mais claustrofóbico, Jack vai enlouquecendo aos poucos e o hotel começa a ganhar vida: sim o hotel é um personagem!

Agora entendo também o motivo de Kubrick descartar o argumento do King e optar por escrever sua própria adaptação em parceria com Diane Johnson: a ambientação psicológica criada pelo King só funciona na narrativa escrita e o Kubrick precisava causar o mesmo efeito de um ambiente perturbador ganhando vida e para isso ele precisava, essencialmente, da imagem, e o trabalho de câmeras é genial, a cena inicial do travelling aéreo acompanhando o fusca da família Torrence nas montanhas até chegar ao Overlook já dá mostras do que virá. Sobre o tema, Kubrick disse em uma entrevista a uma revistas especializada em cinema:

Os escritores tendem a abordar demais a criação do drama em termos de palavras, sem perceber que a maior força que possuem é o clima e o sentimento que podem produzir no público por meio do ator. Eles tendem a ver o ator de má vontade, como alguém que provavelmente estragará o que escreveram, em vez de ver que o ator é, em todos os sentidos, seu meio” (Sight & Sound, 1961)

King sempre deixou claro que odiava o filme do Kubrick, lançado em 1980 e considerado um dos maiores clássicos do gênero horror, senão o maior, o argumento dele acabou se transformando na minissérie de 1997, sobre o assunto ele disse em entrevista:

Ele sabia o que queria fazer com a história e contratou Diane Johnson para escrever um rascunho do roteiro baseado no que ele queria enfatizar. Então ele próprio refez. Eu fiquei muito desapontado” (The Paris Review, 2006)

Voltando ao livro, achei a parte final um pouco apressada também, poderia acompanhar o ritmo mais cadenciado da narrativa até então, afinal é um terror/horror psicológico, não um thriller. Resumindo, excesso no início e aceleração no final, o bom está no meio.

Duas obras icônicas dentro de suas áreas artísticas que merecem serem lidas e assistidas, de preferência na sequência.

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