O Mundo Onírico de Mario Levrero

Marcelo Scrideli
2 min readJul 18, 2022

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No universo do uruguaio Mario Levrero o comportamento das pombas urbanas e das formigas ganham contornos inimagináveis aos olhos cotidianos, a luminosidade é perseguida, nem sempre ela está presente, mas é preciso procurar para não se deixar cair na rotina massacrante do dia-a-dia.

A tal luminosidade do título do livro de Levrero é uma referência a aqueles momentos especiais que todos passam em alguns momentos da vida, se pode falar em epifania, para traduzir em um único termo esses momentos únicos, são particularizados, pois dependem da sensibilidade de quem está passando por essa transformação, portanto pode ser algo extremamente banal para a maioria das pessoas, mas é especial para quem está sob o estado luminoso.

Levrero começou a escrever o romance — do original uma novela: La novela luminosa — em 1984 e engavetou, em 2000, no linear de um novo século, ele ganhou uma bolsa, com duração de um ano, da Fundação Guggenheim para terminar o texto. Logo ele descobriu que seria muito difícil sua tarefa, e como forma de exercício de escrita, inspirado pelo livro que estava lendo no momento — Memórias de Leticia Valle, da espanhola Rosa Chacel — ele resolve escrever o “diário da bolsa” entre os meses do final de 2000 e começo de 2001.

O livro é um calhamaço, e cerca de três quartos do livro é composto pelo diário. Você pode ler o romance antes do diário, não vai atrapalhar em nada a compreensão da obra, mas sugiro a leitura do diário primeiro, isso vai causar uma expectativa em relação ao romance, uma curiosidade ímpar, até porque o romance é um texto inacabado, sim! Ele falhou nessa tarefa e sentiu sobremaneira essa incapacidade e isso está explícito no diário.

O mais interessante da obra é acompanhar o dia-a-dia de um escritor, completamente desmistificado, de peito aberto, sincero, com suas incapacidades e frustrações expostas, o diário começa meio burocrático e descritivo, como todo diário, mas aos poucos vai se tornando uma peça literária em si, ou seja, ele encontra a tal chamada luminosidade nas páginas do diário, não sei se ele chegou a vislumbrar essa transformação do diário, pois era uma corrida contra a degradação física, uma busca obstinada pela memória do passado luminoso, mas a luz estava perdendo sua força, se apagando aos poucos, e se apagou definitivamente em 30 de agosto de 2004 e sua Novela Luminosa ganhou a luz das livrarias somente no ano seguinte.

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